quinta-feira, 16 de julho de 2009

Malcolm Shuster: Conselhos para (Jovens) Pesquisadores

Posto aqui um resumo traduzido de um artigo do maior autor na área do meu mestrado, Determinação de Atitude, Malcolm Shuster. Shuster, um físico nuclear de bastante sucesso, decidiu mudar de área quando não se divertia mais no trabalho. Acabou trabalhando com Engenharia Astronáutica, ou Aeroespacial. Com sua experiência em Física, conseguiu ter muitos insights dentro de anos de trabalho árduo, no desafio pessoal de desenvolver um novo método de estimativa da atitude (orientação, ou ângulo de rotação em três dimensões). Seu algoritmo, o QUEST, foi pela primeira vez publicado em 1980, resultou na época em economias de dias de processamento e ainda é o algoritmo mais amplamente utilizado em sistemas de determinação de atitude.

No artigo em questão, Advice to Young Researchers, Shuster dá diversos conselhos para os pesquisadores. Posto aqui uma tradução resumida.

"Um homem sábio pode aprender de qualquer um, mesmo de um tolo, mas um tolo não pode aprender de ninguém, nem mesmo de um sábio". (Provérbio Judeu)

Uma regra básica
Trabalhe duro e faça um bom trabalho! Não há substituto para isso nem fatores compensadores. Para fazer um trabalho realmente bom, você deve ser um pouco louco. Como os romanos diziam, nullum magnum ingenium sine mixtura dementiae fuit - não existiram grandes gênio sem uma dose (admixture) de insanidade. Isso não significa que se você se tornar um louco você se tornará um grande gênio, mas ajuda um pouco. No entanto, genialidade não é suficiente, a não ser na definição de Edison de genialidade, como 1% inspiração e 99% transpiração.

Pesquisa
Seja focado! É importante, certamente, que o trabalho tenha abrangência. Isso ajuda em melhores ofertas de emprego, mais áreas para financiamento. É importante também que haja ao menos uma área em que você tenha profundidade real, embora isso leve tempo para desenvolver.

Não coloques tua confiança nos outros! Nunca confie em uma fórmula publicada. Sempre rederive-a você mesmo. Não só fórmulas podem ter erros mas nós frequentemente entendemos o alcance da aplicação de uma fórmula somente derivando-a nós mesmos e vendo as suposições escondidas.

Seja real! A melhor pesquisa sempre vem de problemas reais. Se você é um jovem acadêmico, forme laços próximos com uma empresa ou uma instituição governamental local. Você pode descobrir que suas melhores idéias, mesmo as teóricas, surgem das necessidades deles.

Seja útil. Nem todo trabalho que nós fazemos pode ser uma ruptura (breakthrough), mas todo trabalho deveria ser útil. Se não é de uso prático imediato, deve melhorar nossa compreensão ou fornecer um passo intermediário para algo útil e não simplesmente demonstrar o brilhantismo (brilliance) de um pesquisador. Às vezes descobrimos algo novo e acabamos mudando uma área de pesquisa. Mas a maioria das pesquisas não é (path breaking). Meu artigo mais citado não é pesquisa de qualquer modo (at all) mas um paper de exame (survey), que apresenta um grande volume de material (com valor de 200 anos, de fato) a partir de um ponto de vista unificado com notação e conveções consistentes. Quando o submeti, contei aos amigos que tinha acabado de submeter o paper menos original e disse que se tornaria seu paper mais citado. A qualidade mais importante de uma boa pesquisa é que ela ajude outros mais do que justificar a sua própria gratificação intelectual.

Conhecimento é infinito; humanos são finitos.
Enquanto é bom estudar apenas para adquirir conhecimento, tenha em mente que não há limite para a quantidade de conhecimento (background) que alguém pode adquirir sobre um assunto em particular. Não espere até ter conhecimento completo de um assunto antes de começar a desenvolver suas próprias ideias. Usualmente a ideia vem primeiro. Nós frequentemente sabemos o que realmente precisamos aprender conforme pesquisamos. Aprender demais sobre um assunto pode nos fazer não originais, porque ficamos presos (get stuck) na rotina (rut) de um trabalho anterior, mesmo nosso próprio trabalho.

A pesquisa mais importante é usualmente sobre encontrar perguntas, não sobre encontrar respostas. Como engenheiros ou cientistas, não só devemos encontrar respostas para perguntas importantes. Devemos também encontrar as perguntas importantes. Como Picasso disse, "Los ordenatores son inútiles. Sólo pueden darte respuestas." - Computadores são inúteis. Eles só podem lhe dar respostas. Essa afirmação não é totalmente verdadeira para nós, mas há muita verdade nela não obstante.

Nem todo trabalho é valioso! Um trabalho deve ser realmente útil ou aumentar nossa compreensão, ou também emitir (pose) um novo problema.

Tenha coragem! Não tenha medo de examinar um tópico só porque um colega respeitado acha que tal trabalho é tolo ou que o problema foi liquidado (settled). Por outro lado, se você não descobrir nada importante, siga em frente. A maior parte dos meus primeiros trabalhos em Astronáutica não levaram a uma publicação.

Nem sempre seja prático! Às vezes, pesquisa não prática pode ser muito esclarecedora sobre os fundamentos do campo de alguém e mesmo sobre a natureza de aplicações reais, mas não deixe que a pesquisa não prática se torne seu tema de pesquisa dominante.

Um sábio pode aprender de qualquer um. Ouça cuidadosamente os outros, especialmente às perguntas de pessoas tentando entender seu trabalho. Às vezes suas dificuldades são provenientes (stem) de situações não consideradas no seu trabalho ou contêm o embrião (germ) de uma nova idéia importante.

É melhor ser correto do que prático. Um trabalho errado não é prático só porque você pode descrevê-lo de forma simples sem equações. Não se deixe influenciar pelo tipo de pessoa que favorece a simplicidade em vez da exatidão (correctness).

Preste atenção a pequenos detalhes! Às vezes pequenos itens sem consequência óbvia podem levar a uma pesquisa importante. Seja cauteloso (watchful) com os passo que você deve comentar (gloss over) em um paper, aqueles que você acha serem intuitivamente óbvios, mas que você não sabe como demonstrar.

Mantenha simples. Nem toda pesquisa é igual, e nem toda ela tem valor. A melhor pesquisa descobre coisas simples, que são frequentemente as mais difíceis de encontrar. Evite construir uma carreira publicando variações sem fim de sua dissertação ou outro trabalho de pesquisa. Sua dissertação pode conter ouro não minado, mas reconheça quando o filão (vein) se esgotou.

Não coloques tua confiança em desenhos! Desenhos são muito úteis em pesquisa, dão novos insights e são excelentes auxiliares (ancillaries) para comunicação e ensino. Mas desenhos são também carregados de perigos, já que frequentemente é muito difícil interpretar sinais corretamente a partir de desenhos.

Cheque seu trabalho! Tenha certeza que suas novas equações concordam com resultados confiáveis conhecidos em casos especiais. Em derivações, se você puder, derive o resultado de mais de uma maneira. Na saída do computador, cheque resultados intermediários. Cheque propriedades que seus resultados devem ter.

Desenvolva intuição! Nós evitamos erros tendo boa intuição. Nós desenvolvemos intuição errando.

Seja um dilettante (amador)! Vale a pena abordar uma pesquisa como um dilettante, ou seja, fazer o trabalho por si, com sua própria agenda e não ser ligado a cronogramas de contrato ou de orientação de alunos. A pesquisa não pode ser totalmente parte do negócio de ser um professor. Parte dela deve ser uma atividade pessoal verdadeiramente alegrante (joyous) não facilmente dada a um subordinado. Se esquecermos disto, então arriscamos fazer da pesquisa apenas um emprego.

Carpe diem! Aproveite o dia. Não procrastine seu trabalho. Sobretudo, não procrastine quando se trata de trabalhar de forma independente. Você deve ter a iniciativa de fazer pesquisa independente. Se você trabalha na indústria e seu chefe lhe pede para fazer algo, mas você acha que tem uma ideia melhor, faça primeiro o que ele pede - você não quer ter uma reputação de não cooperativo - e então trabalhe na sua abordagem também, mas somente se ela puder ser feita rapidamente. E não faça alarde (show off) depois.

Ideias de pesquisa às vezes vêm dos mais estranhos lugares. Descobri que dirigir por longas distâncias, caminhadas no shopping, música, novelas, poesia e culinária às vezes estimulam ideias de pesquisa.

Simulação
Simulação é uma ferramenta valiosa. Em aplicações no mundo real, em que verificação analítica frequentemente não é facilmente possível (attainable) em tempo disponível, simulação pode ser o melhor que podemos fazer para ganhar alguma confiança no método. Tenha em mente, no entanto, que a experiência de simulação são dados, não insight ou intuição, que vêm da compreensão física ou matemática. No entanto, é frequentemente um caminho para insight e intuição.

Pensar é melhor que calcular. Frequentemente um exemplo analítico simples é mais ilustrativo e explica mais do que um exemplo númerico.

Simulação não é uma prova. Apenas porque seus erros residuais convergem para zero ou para um valor pequeno não significa que seu trabalho esteja correto. Simulações para verificar resultados teóricos não deveriam apenas mostrar que os erros se tornam muito pequenos mas que ele anteciparam os valores.

Nem todas as simulações são iguais. Não realize simulações que simplesmente mostram a consistência interna do seu trabalho enquanto evita comparações numéricas do seu trabalho com uma teoria sabidamente correta ou mais completa.

Publicação
Escreva ao longo do caminho! (Write as you go!) Descobri que escrever meu trabalho deve ter sido minha ferramenta de trabalho mais importante. Geralmente é quando escrevo que descobro as coisas que deveria ter feito que não considerava fazer originalmente ou que não sabia como fazer.

Não corra para publicação! Descobri que minhas publicações em andamento geralmente melhoram com o tempo, dado que eu continue os revisando. Se você for um professor assistente buscando ocupação (tenure), isto pode não funcionar para você. Da mesma forma, caminhe, não corra.

Não quantidade mas qualidade! Em latim: non multa sed multum, não muitos mas muito. Não publique trabalhos triviais ou repetitivos ou peças de trabalho apenas para conseguir mais publicações.

Seja pedagógico em seus papers! Meus papers têm um forte elemento tutorial (feito em maior parte para mim) e fui frequentemente acusado de escrever uma apostila (textbook) nos jornais. Quando você escreve um paper, você não está somente relatando o que você fez, mas também ensinando seus leitores como fazer o que você fez. A jornada é parte do resultado.

O mundo lembrará somente suas publicações arquivísticas (archival). Com raras exceções, proceedings de conferências são eventualmente esquecidos. Se você quer ser lembrado, publique em um jornal de reputação. Não traia sua inexperiência fazendo alarde (boasting) de que seu paper foi apresentado em uma conferência "referenciada".

Não construa monumentos permanentes para um trabalho ruim! Conferências são um bom lugar para apresentar trabalhos incompletos ou ainda não completamente justificáveis; jornais não.

Use notação clara e sistemática! Não introduza nova notação apenas para ser diferente. Usar índice de matriz 0 não é recomendável, pois nem toda linguagem de programação o aceita, assim como utilizar parênteses (brackets) para toda matriz retangular, um padrão devido a limitações de máquinas de escrever, embora possa dar clareza em casos especiais.

Não defenda seus erros! Ninguém respeitará você menos por ser honesto. Se você cometeu um erro, especialmente num artigo de jornal, não tente acobertar ou persistir por orgulho. Você pode ser lembrado mais pela persistência do que por um extenso bom trabalho. Melhor publicar um erratum ou notificar o erro e corrigi-lo em uma publicação subsequente.

Boas comidas deixam boas receitas. Também ajuda quando apresentando um método muito novo é dar uma prescrição detalhada em uma seção final ou anexo no qual os passos são sumarizados 1 por 1.

Sempre dê crédito onde crédito é devido! Se usar os resultados de alguém, sempre cite-os de forma completa e não ambígua, fazendo claro que partes do seu paper são tomadas deles. Sempre cheque por trabalhos mais recentes antes de publicar um resultado.

O orgulho vai (goeth) antes de uma queda. Falta de orgulho não vai a nenhum lugar. Não se preocupe apenas com o valor e a exatidão (correctness) do seu trabalho. Preocupe-se também com sua apresentação, a escrita, os desenhos, os gráficos. Aprenda a escrever de forma clara. Leia extensivamente fora da Engenharia. Lembre que, quando você escreve um paper, você está contando uma história, com um começo claro, meio e fim. Boa escrita é de fato parte de uma pesquisa. Você não entende um resultado até poder apresentá-lo bem.

Non illigitimi carborundum est (Não deixe os bastardos te triturarem!) Não se permita ficar bravo por revisões não favoráveis do seus artigos. A maioria dos revisores são cuidadosos e cheios de idéias (thoughtful). É melhor reescrever seu artigo para tornar a natureza ou valor de sua inovação mais aparente do que discutir com o revisor. Ele provavelmente não será o único leitor a não entender se ponto.

Ensinar
Bom ensino em Engenharia é pesquisa. Assim como diz Columbanus Sutor, docendo discimus, ensinando aprendemos, e aprender é certamente parte da pesquisa. Preparar um curso na sua área de pesquisa é uma atividade muito próxima de pesquisa, se você faz certo, e uma fonte de ideias.

Lago Negro da Pesquisa
Nós todos erramos (screw up). Isto é verdade para os grandes e pequenos. Alguns dos meus colegas mais admiráveis e eu mesmo violamos muitos destes itens de conselho, a maior parte na juventude. O céu não cairá se você decidir que você cometeu um erro, mesmo muitos erros. Vida e trabalho requerem ajuste constante.

A vida não é justa (fair). Não desista facilmente demais de um problema e não trabalhe em um problema que não rende (unyielding) por tempo demais sem fazer outras coisas também. Esteja preparado para não ser sempre recompensado como você merece e às vezes colegas propositadamente podem tentar lhe fazer mal ou tomar crédito pelo seu trabalho. A pesquisa é feita por pessoas e está sujeita, portanto, a inequalidades de qualquer empreendimento humano. Trabalhar duro e fazer um bom trabalho é frequentemente o melhor que podemos fazer. O mais importante elogio que recebemos vem de dentro (e permanece lá). Se constantemente produzimos trabalho de alta qualidade e temos respeito por nós mesmos, então eventualmente outros virão e nos respeitarão. Não há outro jeito.

Não deixe as tristezas lhe desanimarem. Se você se tornar depressivo durante um período árido (dry), ocupe-se com outras tarefas, como um trabalho menos excitante que esteve na sua prateleira por algum tempo, escrever um trabalho não publicado, estudar um assunto para o qual você não encontrou tempo, preparar um novo curso. Todas as atividades que levam a um resultado desejável nos estimulam e criam endorfinas que nos levarão para fora da tristeza. Freud sempre argumentou (contended) que o trabalho é a melhor terapia.

Últimas Palavras
Pesquisa não é tudo. Há alegria em descobrir um novo resultado, mas penso que a pesquisa, especialmente na Engenharia, é muito satisfatória quando serve a algum propósito prático imediato também. Pesquisa sempre foi uma parte importante da minha vida, mas outros aspectos, que na maioria foram desenvolvimento ou gerenciamento, foram tão recompensadores, se não mais.

Quando em dúvida, faça a coisa certa. Nós sempre sabemos o que é a coisa certa. Nosso dilema moral geralmente é que nós iríamos preferir, usualmente por razões egoístas, fazer outra coisa. A moralidade requer coragem e determinação para deixar algo e fazer o que é certo. Lealdade, eficiência e conveniência (expediency) são bons atributos, mas não são atributos morais. Se nós buscamos a verdade, devemos ser nós mesmos verdadeiros em todas as coisas. Fazer o mundo um lugar melhor.

Considere todos os conselhos com cuidado. Todo conselho é baseado na experiência e preconceitos (prejudices) pessoais de quem deu o conselho e nenhum conselho pode antecipar todas as situações. Algumas coisas devem ser simplesmente aprendidas por si só - do jeito difícil. Nenhum texto pode proteger você de todo desastre.

Acima de tudo, seja feliz no seu trabalho! Pesquisa deve ser uma fonte de alegria, de hilaridade (exhilaration) e, de muitas formas, um ato de amor. Se não for, então será difícil aguentar (endure) as dificuldades que a pesquisa ocasiona (entails).

Um comentário:

  1. olá ...
    este post vai ajudar no meu tcc... é incrível como muitas vezes, quando estamos no meio das atividades, esquecemos de coisas óbvias como foco.
    obrigada
    Angela Fey

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